Apresentamos nesta edição do Projeto História em Destaque o item documental mais antigo do Centro de Memória: o Livro do Promotor Publico [sic], de Augusto Uflacker, de 1880.
Doado ao Centro de Memória pela historiadora Maristela Santana, foi localizado em site de vendas. Mesmo necessitando de restauração, está completo e permite perfeita leitura, e encontra-se em fase de digitalização. O valor histórico e o bom estado geral da obra justificaram a aquisição e posterior doação ao memorial. Integra o Fundo Memória Institucional.
Publicado na última década do Brasil-Império e, antes da abolição da escravatura (1888), da Proclamação da República (1889) e da institucionalização do Ministério Público (1891), a obra se propunha um manual de atuação para os Promotores Públicos, como também eram chamados os Promotores de Justiça à época. Com 507 páginas, é dividida em duas grandes partes: a primeira, uma compilação legislativa com informações mais específicas sobre o cargo; atribuições gerais e diversas, como Adjuntos de Promotores e Curadores Gerais de Órfãos; incompatibilidades, entre outros assuntos, acompanhados de apontamentos sobre a atuação ministerial propriamente dita. Completa com modelos de peças, chamados “fórmulas” para iniciais e denúncias. A segunda parte é a reprodução da íntegra do Código Criminal de 1830. As atividades ministeriais não se reduziam à atuação criminal, mas em uma sociedade escravista e de rígido controle social, os instrumentos estatais de fiscalização e repressão ocupavam papel preponderante, o que parece justificar a incorporação da lei no corpo da obra.
Na seção Ao Leitor, o autor esclarece:
"Nomeado Promotor Público da comarca de Santo Angelo, província do Rio Grande do Sul, por falta de pessôa mais habilitada, o meu primeiro cuidado foi munir-me de livros que me guiassem no sentido de desempenhar, se não com brilhantismo, ao menos com honra, não desmerecendo da confiança em mim depositada, o cargo que me fôra confiado.
D’aqui nasceu a necessidade de tomar notas de tudo que achava esparso aqui e alli sobre os deveres e attribuições do Promotor Publico.
Nos livros que encontrei, anda que me auxiliassem muito, não achei tudo o que precisava.
(...) Assim, o livro que ora publico não nasceu do cumprimento do dever. Não se recomenda pela intelligencia, recommenda-se pelo trabalho.
Não é uma obra original que vae dar lustre ao seu autor, é um livro util que póde servir de auxiliar áquelles que como eu, levados pela necessidade ou forçados pelo dever social tiverem de acceitar este cargo com os olhos vendados. (...)
Santo Angelo, Abril de 1880." [sic]
As palavras de Uflacker permitem uma leitura sobre as condições da atividade ministerial no período. Depreende-se, sobretudo no último parágrafo, certa insatisfação e resiliência ao assumir a função, revelando a falta de organização e a desvalorização do cargo. Segundo o Código de Processo Criminal de 1832, que definia as atribuições do Promotor Público, a função poderia ser exercida por qualquer pessoa que reunisse as condições para ser jurado, preferencialmente “os que fossem instruídos nas Leis”. A Lei nº 2.033/1871, da Reforma Judiciária, dispunha que, em caso de falta do Adjunto de Promotor Público, qualquer pessoa idônea poderia ser nomeada pelo Juiz para a causa específica (criminal) apresentada.
Disposto dessa forma, a princípio qualquer indivíduo poderia ser Promotor, não necessariamente bacharel em Direito, bastando apenas ser dotado de “boa índole”. Experiências anteriores em outros cargos públicos eram levados em consideração, contudo, os critérios subjetivos eram determinantes, denotando que a escolha e a nomeação para o cargo de Promotor eram realizadas com base em relações pessoais provincianas que faziam da Promotoria Pública, um emprego público com algumas prerrogativas, mas sem o prestígio e as garantias da magistratura e das altas autoridades policiais. Àqueles que tinham pretensões à carreira jurídica, era exigido o exercício anterior de quatro anos completos como Promotor, ou Juiz Municipal, ou Juiz de Órfãos (Lei nº 261/1841), de modo que a Promotoria Pública poderia constituir uma porta de entrada para a alta burocracia jurídica, logo uma atividade transitória. Parece ter sido este o caso de Uflacker.
Foram selecionadas 17 páginas da obra para apresentação ao público pela plataforma AtoM.